Não te gabes ó Tempo de que mudando venho:
Pirâmides ergueste e com maior potência,
mas pra mim nada têm de novo nem de estranho,
de coisa há muito vista são só outra aparência.
Contudo admiramos, em nossas vidas breves,
quanto velho por novo tu já nos tens vendido,
e que se ajuste ao nosso desejo lhe prescreves
mais que o pensarmos nós tê-lo antes conhecido.
Mas não me surpreendem passado nem presente
e a ti e a teus arquivos eu desafio audaz,
mentem os teus registos, o que nós vemos mente
que a tua eterna pressa maior ou menor faz:
Voto de ser fiel pra sempre faço aqui,
mau grado a tua foice e apesar de ti.
O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo tempo é eternamente presente
Todo tempo é irredimível.
O que poderia ter sido é uma abstração
Que permanece, perpétua possibilidade,
Num mundo apenas de especulação.
O que poderia ter sido e o que foi
Convergem para um só fim, que é sempre presente.
Ecoam passos na memória
Ao longo das galerias que não percorremos
Em direção à porta que jamais abrimos
Para o roseiral.
Assim ecoam minhas palavras
Em tua lembrança.
Mas com que fim
Perturbam elas a poeira sobre uma taça de pétalas.
Não sei.
Outros ecos
Se aninham no jardim.
Seguiremos?
Depressa, disse o pássaro, procura-os, procura-os
Na curva do caminho.
Pela primeira porta,
Aberta ao nosso mundo primeiro, aceitaremos
A trapaça do tordo?
Em nosso mundo primeiro,
Lá estavam eles, dignificados e invisíveis,
Movendo-se imponderáveis sobre as folhas mortas,
No calor do outono, através do ar vibrante,
E o pássaro cantou, em resposta
À inaudita música oculta na folhagem.
E um radiante olhar impressentido trespassou o espaço,
porque as rosas
Tinham a aparência de flores contempladas.
Lá estavam eles, como nossos hóspedes, acolhidos e acolhedores.
Assim, caminhamos, lado a lado, em solene postura,
Ao longo da alameda deserta, rumo à cerca de buxos,
Para mergulhar os olhos no tanque agora seco.
Seco o tanque, concreto seco, calcinados bordos,
E o tanque inundado pela água da luz solar,
E os lótus se erguiam, docemente, docemente,
A superfície flamejou no coração da luz,
E eles atrás de nós, refletidos no tanque.
Passou então uma nuvem, e o tanque esvaziou.
Vai, disse o pássaro, porque as folhas estão cheias de crianças,
Maliciosamente escondidas, a reprimir o riso.
Vai, vai, vai, disse o pássaro: o género humano
Não pode suportar tanta realidade.
O tempo passado e o tempo futuro,
O que poderia ter sido e o que foi,
Convergem para um só fim, que é sempre presente.
.
.
People who are afraid of themselves
Multiply themselves into families
And so divide themselves
And so become less afraid.
People who might have to go out
Into clanging strangers’ laughter,
Crowd under roofs, make compacts
To no more than smile at each other.
People who might meet their own faces
Or surprise their own voices in doorways
Build themselves rooms without mirrors
And live between walls without echoes.
People who might meet other faces
And unknown voices round corners
Build themselves rooms all mirrors
And live between walls all echoes.
People who are afraid to go naked
Clothe themselves in families, houses,
But are still afraid of death
Because death one day will undress them.
A. S. J. Tessimond
Clarence John Laughlin, The House of the Past, 1947
Remember me when I am gone away,
Gone far away into the silent land;
When you can no more hold me by the hand,
Nor I half turn to go yet turning stay.
Remember me when no more day by day
You tell me of our future that you plann'd:
Only remember me; you understand
It will be late to counsel then or pray.
Yet if you should forget me for a while
And afterwards remember, do not grieve:
For if the darkness and corruption leave
A vestige of the thoughts that once I had,
Better by far you should forget and smile
Than that you should remember and be sad.
“Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow
Creeps in this petty pace from day to day,
To the last syllable of recorded time;
And all our yesterdays have lighted fools
The way to dusty death.
Out, out, brief candle!
Life’s but a walking shadow, a poor player
That struts and frets his hour upon the stage
And then is heard no more. It is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury
Signifying nothing.”
A morte virá e terá os teus olhos –
esta morte que nos acompanha
da manhã à noite, insone,
surda, como um velho remorso
ou um vício absurdo. Os teus olhos
serão uma palavra vã,
um grito calado, um silêncio.
Assim os vês cada manhã
quando, sob ti só, pendes
no espelho. Oh, que esperança,
nesse dia saberemos, também nós,
que és a vida e és o nada.
A morte tem um olhar para todos.
A morte virá e terá os teus olhos.
Será como deixar um vício,
como ver no espelho
ressurgir uma face morta,
como ouvir os lábios fechados.
Desceremos mudos ao abismo.
Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.
Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.
Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.
Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.
Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.
And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.
A rapariga presente nesta fotografia está morta. Se olharmos mais atentamente, conseguimos distinguir uma base atrás dos seus pés, a partir daí, um suporte com grampos na cintura e no pescoço, sustentam o cadáver. A roupa estará desapertada na parte de trás. Os braços estão sustentados por arames a fim de se manterem no lugar - note-se a posição das mãos.As pupilas estão pintadas sobre as pálpebras fechadas.
As origens das fotografias memento mori confundem-se com a origem da própria fotografia. No século XIX, os retratos post-mortem faziam parte do luto pela perda de um ente querido, especialmente de uma criança ou um bebé. Esta prática era transversal a toda a sociedade e com a invenção do daguerreótipo, em 1839, ter uma recordação fotográfica do falecido tornou-se mais rápido e barato do que mandar pintar um retrato.
Estas fotografias, mais do que confrontarem os vivos com a inevitabilidade da morte, constituíam uma recordação, já que, não raras as vezes, eram a única imagem que a família tinha daquele que partira desta vida. Geralmente, o morto era arranjado de maneira a parecer ainda vivo, ou num sono pacífico e sereno, livre de todo o sofrimento terreno. Numa fase mais tardia, as fotografias post-mortem já incluíam o corpo no caixão, não havendo esforço para simular uma pose "viva".
Na sociedade actual, esta prática é considerada por muitos como grotesca, vulgar e sensacionalista, ou seja, tabu, em nítido contraste com a sensibilidade dos que, no passado, assim prestavam homenagem aos entes queridos. Esta mudança cultural revela-nos um maior desconforto social com a morte.
Twenty-eight naked young women bathed by the shore
Or near the bank of a woodland lake
Twenty-eight girls and all of them comely
Worthy of Mack Sennett’s camera and Florenz Ziegfield’s
Foolish Follies.
They splashed and swam with the wondrous unconsciousness
Of their youth and beauty
In the full spontaneity and summer of the fieshes of
awareness
Heightened, intensified and softened
By the soft and the silk of the waters
Blooded made ready by the energy set afire by the
nakedness of the body,
Electrified: deified: undenied.
A young man of thirty years beholds them from a distance.
He lives in the dungeon of ten million dollars.
He is rich, handsome and empty standing behind the linen curtains
Beholding them.
Which girl does he think most desirable, most beautiful?
They are all equally beautiful and desirable from the gold distance.
For if poverty darkens discrimination and makes
perception too vivid,
The gold of wealth is also a form of blindness.
For has not a Frenchman said, Although this is America…
What he has said is not entirely relevant,
That a naked woman is a proof of the existence of God.
Where is he going?
Is he going to be among them to splash and to laugh with them?
They did not see him although he saw them and was there among them.
He saw them as he would not have seen them had they been conscious
Of him or conscious of men in complete depravation:
This is his enchantment and impoverishment
As he possesses them in gaze only.
…He felt the wood secrecy, he knew the June softness
The warmth surrounding him crackled
Held in by the mansard roof mansion
He glimpsed the shadowy light on last year’s brittle leaves fallen,
Looked over and overlooked, glimpsed by the fall of death,
Winter’s mourning and the May’s renewal.
Delmore Schwartz, “A Dream Of Whitman Paraphrased, Recognized And Made More Vivid By Renoir” 1962
Pierre Puvis de Chavannes, Jovens Raparigas à Beira-Mar, 1879
Horas breves de meu contentamento
Nunca me pareceu quando vos tinha,
Que vos visse mudadas tão asinha
Em tão compridos anos de tormento.
As altas tôrres, que fundei no vento,
Levou, em fim, o vento que as sostinha;
Do mal que me ficou a culpa é minha,
Pois sôbre cousas vãs fiz fundamento.
Amor com brandas mostras aparece:
Tudo possível faz, tudo assegura;
Mas logo no melhor desaparece.
Estranho mal! Estranha desventura!
Por um pequeno bem, que desfalece,
Um bem aventurar, que sempre dura.
Inauguration of the Pleasure Dome é um filme de Kenneth Anger, de 1954. Existem outras duas versões, uma de 1966 e outra do fim dos anos 70. De acordo com o próprio Kenneth Anger, a expressão "pleasure dome" surgiu de um poema de Samuel Taylor Coleridge, chamado Kubla Khan. A banda sonora da edição original é uma perfomance completa da Missa Glagolítica, do compositor tcheco Leoš Janáček (1854 – 1928). Do elenco fazem parte a autora Anaïs Nin, no papel de 'Astarte'; Marjorie Cameron, no papel de 'The Scarlet Woman'; o cineasta Curtis Harrington, e também o próprio Kenneth Anger.
“But this is human life: the war, the deeds,
The disappointment, the anxiety,
Imagination’s struggles, far and nigh,
All human; bearing in themselves this good,
That they are still the air, the subtle food,
To make us feel existence, and to shew
How quiet death is."
A Moretta ou Servetta Muta (criada muda) era uma máscara oval, de veludo preto, usada pelas damas de Veneza. Esta máscara, exclusivamente feminina e segura, através de um botão, pelos dentes da frente, impunha à mulher um silêncio forçado.
Exibição de um Rinoceronte (1751), de Pietro Longhi
James Abbot McNeill Whistler, Nocturne in black and gold, the Falling Rocket, c. 1875
“How sweet the moonlight sleeps upon this bank!
Here we will sit and let the sounds of music
Creep in our ears: soft stillness and the night
Become the touches of sweet harmony.
Sit, Jessica. Look how the floor of heaven
Is thick inlaid with patines of bright gold.
There’s not the smallest orb which thou behold’st
But in his motion like an angel sings,
Still quiring to the young-eyed cherubins.
Such harmony is in immortal souls;
But whilst this muddy vesture of decay
Doth grossly close it in, we cannot hear it.”
O Mercador de Veneza, William Shakespeare
Lorenzo, V.I. 62-73
Lembras-te do jardim irreal e triste?
Do lago onde boiavam peixes de jade?
Existe ainda esse jardim irreal e triste?
Para voltar sempre parece tarde.
Dormias como um deus sobre anénomas brancas:
Como eras tão jovem, tão simples, tão claro!...
Teu rosto e tuas mãos eram anénomas brancas.
Só a memória guarda o teu retrato.
Que fizemos do nosso único momento?
Do grande? do verdadeiro, do exacto?
Agora o que há entre nós não tem momento;
Está fora do tempo e do espaço.
Maria Manuela Couto Viana
in As Folhas de Poesia Távola Redonda, Boletim Cultural VI Série Nº11 Outubro de 1988, Fundação Calouste Gulbenkian