Oh What's That in the Hollow, Edward Robert Hughes, 1893 |
Porque o melhor, enfim,
É não ouvir nem ver...
Passarem sobre mim
E nada me doer!
- Sorrindo interiormente,
Co'as pálpebras cerradas
Às águas da torrente
Já tão longe passadas.
- Rixas, tumultos, lutas,
Não me fazem dano...
Alheio às vãs labutas,
Às estações do ano.
Passar o estio, o Outono,
A poda, a cava e a redra,
E eu dormindo um sono
Debaixo duma pedra.
Melhor até se o acaso
O leito me reserva
No prado extenso e raso
Apenas sob a erva
Que Abril copioso ensope...
E, esvelto, a intervalos
Fustigue-me o galope
De bandos de cavalos.
Ou no serrano mato,
A brigas tão propício,
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício
Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas,
Com choques de armaduras
E tinidos de espadas...
Ou sob o piso, até,
Infame e vil da rua,
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua.
Se estorce, vocifera,
Selvagem nos conflitos,
Com ímpetos de fera
Nos olhos, saltos, gritos...
Roubos, assassinatos!
Horas jamais tranquilas,
Em brutos pugilatos
Fracturam-se as maxilas...
E eu sob a terra firme,
Compacta, recalcada,
Muito quietinho. A rir-me
De não me doer nada.
Camilo Pessanha