Irina Ionesco
Em poltronas puídas, as cortesãs velhas,
Lívidas, pintadas, olhar terno e fatal,
Seduzindo e fazendo de suas orelhas
Cair um tilintar de pedras e metal;
Em redor do jogo, rostos encarquilhados,
Os lábios sem cor, as maxilas sem um dente,
Por febre infernal, os dedos congestionados,
Palpando a bolsa vazia ou o seio fremente;
Sob os sujos tectos uma fila de lustres
E de lamparinas, com a luz a projectar
Sobre as frontes medonhas de poetas ilustres
Que ali seus suores sangrentos vêm esbanjar;
Eis o negro cenário que em sonho nocturno
Vi desenrolar-se sob meu olhar cioso.
Eu próprio, num canto do antro taciturno,
Me vi pensativo, frio, mudo, invejoso,
Invejando a paixão dessa gente obstinada,
Dessas velhas putas a fúnebre destreza,
Todos galhardamente dando-me a chapada,
Quer do seu orgulho, quer da sua beleza!
E meu coração assustou-se de invejar
Gente correndo p'ró abismo, alucinada,
E que, ébria do seu sangue, prefere cortejar,
Em suma, a dor à morte e o inferno ao nada!
Charles Baudelaire
(tradução de
jesimões)