quarta-feira, 29 de junho de 2011

III - A Imperatriz


imagem encontrada aqui

Esta é a forma fêmea:
dos pés à cabeça dela exala um halo divino,
ela atrai com ardente
e irrecusável poder de atração,
eu me sinto sugado pelo seu respirar
como se eu não fosse mais
que um indefeso vapor
e, a não ser ela e eu, tudo se põe de lado
— artes, letras, tempos, religiões,
o que na terra é sólido e visível,
e o que do céu se esperava
e do inferno se temia,
tudo termina:
estranhos filamentos e renovos
incontroláveis vêm à tona dela,
e a acção correspondente
é igualmente incontrolável;
cabelos, peitos, quadris,
curvas de pernas, displicentes mãos caindo
todas difusas, e as minhas também difusas,
maré de influxo e influxo de maré,
carne de amor a inturgescer de dor
deliciosamente,
inesgotáveis jactos límpidos de amor
quentes e enormes, trémula geléia
de amor, alucinado
sopro e sumo em delírio;
noite de amor de noivo
certa e maciamente laborando
no amanhecer prostrado,
a ondular para o presto e proveitoso dia,
perdida na separação do dia
de carne doce e envolvente.

Eis o núcleo — depois vem a criança
nascida de mulher,
vem o homem nascido de mulher;
eis o banho de origem,
a emergência do pequeno e do grande,
e de novo a saída.

Não se envergonhem, mulheres:
é de vocês o privilégio de conterem
os outros e darem saída aos outros
— vocês são os portões do corpo
e são os portões da alma.

A fêmea contém todas
as qualidades e a graça de as temperar,
está no lugar dela e movimenta-se
em perfeito equilíbrio,
ela é todas as coisas devidamente veladas,
é ao mesmo tempo passiva e activa,
e está no mundo para dar ao mundo
tanto filhos como filhas,
tanto filhas como filhos.
Assim como na Natureza eu vejo
minha alma refletida,
assim como através de um nevoeiro,
eu vejo Uma de indizível plenitude
e beleza e saúde,
com a cabeça inclinada e os braços
cruzados sobre o peito
— a Fêmea eu vejo.

Walt Whitman, in "Leaves of Grass"

sábado, 25 de junho de 2011

Verdes Anos


acapella - verdes anos quinteto belle chase

sexta-feira, 24 de junho de 2011

La portugaise


La portugaise de Forqueray por Nima Ben David

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Espelhos VI

Imogen Cunningham, Phoenix in the Mirror, c. 1968


Lauren Bacall

Sylvia Sidney


Virginia Snyder


Tallulah Bankhead, por Cecil Beaton

terça-feira, 21 de junho de 2011

Velhice

Albrecht Durer (1471-1528)

A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo da nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e a sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se espalhava em subúrbios
em direção à planície incessante,
voltou a ser La Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do Once
e as precárias casas velhas
que ainda chamamos o Sul.
Sempre na minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi o meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e parece-se com a eternidade.
Os meus amigos não têm rosto,
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria atemorizar-me,
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las. Chego ao meu centro,
à minha álgebra e à minha chave,
ao meu espelho.
Em breve saberei quem sou.


Jorge Luis Borges, in Elogio da Sombra


quinta-feira, 16 de junho de 2011

Tempus fugit


XIV Poemas de Cabaret, 1933 - Lembrança do Cartola in Palavras ditas 2, poemas de José Gomes Ferreira, ditos por Mário Viegas

terça-feira, 14 de junho de 2011

II - A Sacerdotisa


Deito-me tarde
Espero por uma espécie de silêncio
Que nunca chega cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
Ardente e nua
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
É então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
A nossa própria mão poisada sobre a mesa

É então que se vê o passar do silêncio

Navegação antiquíssima e solene

Sophia de Mello Breyner Andresen, Geografia, 1967

Gill Tarot

domingo, 12 de junho de 2011

Frente a Frente

James Ensor, As máscaras da morte


Nada podeis contra o amor.
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco.


Eugénio de Andrade, As Palavras Interditas


Klaus Nomi (surripiado descaradamente à  Ana, do (In)Cultura)


Klaus Nomi - ária do génio do frio do "Rei Artur" de Purcell

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Tarantela


interpretada por Atrium Musicae de Madrid, dirigido por Gregorio Paniagua.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

I - O Mago

Tarot da Vinci

"Eu sou o homem. O Homem.
Desço ao mar e subo ao céu.
Não há temores que me domem
É tudo meu, tudo meu."

Tarot Scapini

"Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar."


excertos de "Poema do Homem-Rã" e "Pedra Filosofal" de António Gedeão

terça-feira, 7 de junho de 2011

Espelhos V























Christoffer Eckersberg



Edmond François Aman-Jean, The Mirror in the Vase, 1904



John White Alexander, 1894



Alexei Harlamoff

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Night Journey

domingo, 5 de junho de 2011

Narciso

Curvei, sobre o regato, o corpo todo...
Porém, mal entrevi o meu retrato,
que foi olhar e as águas do regato
se turbaram, manchadas do meu lodo.

Depois, cavei cá dentro com denodo;
perfumei-me de flores azuis do mato;
e, quando cri expulso o lodo inato,
mais uma vez curvei o meu corpo todo.

E as águas tardaram em toldar...
Mas debruço-me ainda, pois espero
que me hão-de um dia, claras, espelhar.

Tanto faz ver-me belo ou feio, então;
só cristalinas, límpidas, as quero,
prà tua sede antiga, meu Irmão.

Sebastião da Gama, Itinerário Paralelo


Alejandro Cano Bolado

sábado, 4 de junho de 2011

O tempo é sagrado

O tempo
é sagrado

O tempo
é templo

Adília Lopes


















Simeon Solomon, The Sleepers and the One that Watcheth, 1870

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Pierrot e a Rosa

Pierrot Malade, de Federico Beltran-Masses
Pintura descoberta aqui: art-magique


A vista incerta
Os ombros langues,
Pierrot aperta
As mãos exangues
De encontro ao peito.

Alguma cousa
O punge ali
Que ele não ousa
Lançar de si,
O pobre doido.

Uma sombria
Rosa escarlata
Em agonia
Faz que lhe bata
O coração...

Sangrenta rosa
Que evoca a louca,
A voluptuosa,
Volúvel boca
De sua amada...

Ah, com que mágoa
Com que desgosto
Dois fios de água
Lavam-lhe o rosto
De faces lívidas!

Da veste branca
À larga túnica
Por fim arranca
A rosa púnica
Em um soluço.

E parecia
Jogando ao chão
A flor sombria,
Que o coração
Ele arrancara!..


Manuel Bandeira



Pierrot le Fou, de Jean-Luc Godard

Pierrot

Entre a turba grosseira e fútil
Um pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
Feita de sonho e de desgraça...

O seu delírio manso agrupa
Atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, aquele o apupa...
Indiferente a tais ataques,

Nublada a vista em pranto inútil,
Dolorosamente ele passa.
Veste-o uma túnica inconsútil,
Feita de sonho e de desgraça...


Manuel Bandeira


Pierrot, Watteau, 1718
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