domingo, 31 de outubro de 2010

O Fim Derradeiro


Harmen Stennwyck, As Vaidades da Vida Humana, c.1645

O significado directo e último das vanitas, explícitas que são na sua referencialidade óbvia, é sobretudo o de uma advertência séria, severa, um verdadeiro aviso, uma repreensão lapidar sobre a ignorante leviandade das vaidades mundanas, a inconsciência alheada dos excessos e finitudes várias do Homem - os seus vícios e horrores, as suas paixões desonestas, desvairadas de cegas, funestas, os seus apetites venais insaciáveis, as suas perigosas irracionalidades, as suas pulsões inconfessáveis; e, em geral, uma distância circunspecta por tudo o que se aprecia, sem freio e pudor, com desbragado hedonismo, neste mundo de carnalidades e materialismos primários, doentiamente consumista e fetichista, inundado pelos prazeres mais desatinados. Que têm um fim! - é esse o aviso.

A eficácia da advertência e aviso é conseguida pelo efeito de contraste violento estabelecido entre o crânio humano, a caveira, às vezes também as tíbias, mesmo o inteiro esqueleto, sinais escatológicos manifestos do ameaçador fim dos fins, colocados em evidência de primeiro plano, em recorte contrastante com os objectos que os rodeiam, de ostentação e aparato, de erudição e estudo, de pompa e fausto, dispostos em minuciosa e verista composição formal, de apurado sentido lumínico-cénico e forte carga dramática. (...)

Mórbidos, fúnebres, macabros, tétricos, são bodegones intemporais, porque anunciam a verdade mais radical de todos os tempos, de sempre - a Morte - o fim súbito e derradeiro do epicurismo instante de todos os tempos, que aproveita com sofreguidão a precaridade escassa dos momentos agradáveis e felizes da existência, as raras oportunidades de gozo, e deleite, dos chamados "pecados veniais" (os cabalísticos sete vícios). Para os "pecadores" a honesta volúpia dos prazeres (infelizmente) demasiado efémeros.


Luís Calheiros, Entradas para um Dicionário de Estética

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

3/3 La Βοulangère de Monceau


3/3 La Βοulangère de Monceau, de Eric Rohmer, 1963

2/3 La Βοulangère de Monceau


2/3 La Βοulangère de Monceau, de Eric Rohmer, 1963

1/3 La Boulangère de Monceau


1/3 La Βοulangère de Μοnceau, de Eric Rohmer,1963

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Magnificat


Arvo Part - Magnificat

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Infalível Prostituta


XIV Poemas de Cabaret, 1933 - Infalível Prostituta - José Gomes Ferreira

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sebastiane

A mais polémica representação cinematográfica de São Sebastião deve-se a Derek Jarman (1942-1994). Com música de Brian Eno e Andrew Thomas Wilson, o filme causa estranheza com os seus diálogos em latim.
S. Sebastião, antigo capitão da guarda pretoriana de Diocleciano, passou à iconografia como um mártir, exaltando-se na sua nudez escultural o sacrifício da juventude e da beleza. Contudo, em certas representações, surge uma atitude equívoca do corpo crivado de setas que sugere o que hoje chamamos de masoquismo.
Derek Jarman, com o seu primeiro filme, "Sebastiane", abstraiu-se quase completamente do contexto histórico e da motivação religiosa do personagem para se entregar, com alguma complacência, à hagiografia "desviada" do santo.


Sebastiane, de Derek Jarman, 1976

domingo, 24 de outubro de 2010

La Musica


Taccata, Ritornelo e Prólogo de Orfeu - Monteverdi
voz de Trudeliese Schmidt

sábado, 23 de outubro de 2010

Satyricon


Un giro nella  Suburra - Satyricon, de Federico Fellini, 1969

Esta é a livre adaptação de Fellini da peça de Petronius, que faz uma crónica da vida na Roma Antiga. Encolpio (Martin Potter) e seu amigo Ascilto (Hiram Keller) disputam o afecto do jovem Gitone (Max Born). Quando Encolpio é rejeitado, inicia uma jornada na qual encontra todos os tipos de pessoas e de acontecimentos. Apesar de se basear na sociedade da Roma Antiga, Satyricon reflecte também o caos que a sociedade da década de 60 (séc. XX) vivia.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Os ais


Mário Viegas - "Os ais"

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Je cherche

A inconstância da mulher é uma das perfeições deste planeta. - Camilo Castelo Branco


La Collectionneuse, de Eric Rohmer - Haydée Politoff "Je Cherche"

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Sedução

Epilogue
It was in the reign of George III
that the aforesaid personages lived and quarrelled,
good or bad, handsome or ugly, rich or poor
they are all equal now



"Barry Lyndon", de Stanley Kubrick, de 1975 - baseado no romance Barry Lyndon de William Makepeace Thackeray.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ódio à Civilização Burguesa


XIV Poemas de Cabaret, 1933 - Ódio à Civilização Burguesa - de José Gomes Ferreira

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Vanitas

Auto-retrato com símbolos de Vanitas, de David Bailly, 1651

As VANITAS (vaidades) são as expressões artísticas que traduzem, de maneira simbólica e num registo eloquente, sibilino, a nossa relação conflituosa com a morte. São formas artísticas históricas, datadas no tempo (e no entanto de sentido intemporal), que nos confrontam com a maior doença colectiva da humanidade, que é a angústia que resulta da consciência aguda da mortalidade.
São uma espécie particular, muito específica e típica, emblemática, de natureza-morta. Género singular de natureza-morta intensamente expressiva e de complexa significação, de óbvia alusão filosófica (acentuada muitas vezes pelas legendas eruditas) e de comentário a um tempo sarcástico e cínico, macabro, pretendendo expressar edificante sabedoria moral e imperativo aviso para reflexão radical, em que é feita a comparação por contraste total, entre a precaridade efémera dos prazeres mundanos, o vazio das ostentações vaidosas do Homem, o engano pelo apego excessivo pelas riquezas materiais de que se rodeia; e a realidade ameaçadora do triunfo final da morte tudo nivelando num nada fáctico, sendo representada a "mofina" em evidência perturbadora, pelo seu emblema mais imediato e certeiro - a caveira - o crânio humano.
Modelo paradigmático muito recorrente e prolixo, particular forma de encenação retórico-alegórica, foi tema "na moda" pelos fins do século XVI e por todo o século XVII, e mesmo ainda glosado tardiamente no início do século XVIII, por toda a Europa.
Luís Calheiros, Entradas para um Dicionário de Estética


António de Pereda, O Sonho do Cavaleiro, 1638

domingo, 17 de outubro de 2010

Caravaggio


Caravaggio, de Derek Jarman, 1986

sábado, 16 de outubro de 2010

O auto-admirador


Eco e Narciso, de John William Waterhouse

Na mitologia clássica, Narciso era famoso pela sua beleza e orgulho. Existem várias versões do seu mito.

A beleza de Narciso era tão incomparável que ele se julgava semelhante a um deus, comparável a Dionísio e Apolo. Como resultado disso, Narciso rejeitou o amor de Eco, uma bela e graciosa ninfa, e esta, desesperada, definhou, deixando apenas um sussurro débil e melancólico. Para dar uma lição ao rapaz frívolo, a deusa Némesis condenou Narciso a apaixonar-se pelo seu próprio reflexo na lagoa de Eco. Encantado pela sua própria beleza, Narciso deitou-se no banco do rio e definhou, olhando-se na água. As ninfas construíram-lhe uma pira, mas quando foram buscar o corpo, apenas encontraram uma flor no seu lugar: o narciso.

Pausânias cita uma variante menos conhecida da história, na qual Narciso tinha uma irmã gémea. Ambos se vestiam da mesma forma e usavam o mesmo tipo de roupas e caçavam juntos. Narciso apaixonou-se por ela. Quando ela morreu, Narciso consumiu-se de desgosto por ela, e fingiu que o reflexo que via na água era a sua irmã. Onde o seu corpo se encontrava, apenas restou uma flor: o narciso.

Numa versão mais arcaica do que a contada por Ovídio nas suas Metamorfoses, o orgulhoso e insensível Narciso é punido por ter desprezado todos os seus pretendentes masculinos. Nesta história, Amantis, um jovem, amava Narciso mas era desprezado. Para se livrar de Amantis, Narciso deu-lhe uma espada de presente. Amantis usou essa espada para se matar à porta de Narciso e rogou a Némesis que Narciso conhecesse um dia a dor do amor não correspondido. Esta maldição foi cumprida quando Narciso ficou encantado pelo seu reflexo na lagoa e tentou seduzir o belo rapaz, não se apercebendo de que aquele que ele olhava era ele próprio. Completando a simetria do conto, Narciso toma a sua espada e mata-se por desgosto.

Outras versões da história dizem que Narciso, após desdenhar os seus pretendentes masculinos, foi amaldiçoado pelos deuses para amar o primeiro homem em que pousasse os olhos. Enquanto caminhava pelos jardins de Eco, descobriu a lagoa da ninfa e viu o seu reflexo na água. Apaixonando-se profundamente por si próprio, inclinou-se cada vez mais para o seu reflexo na água, e acaboupor cair na lagoa e afogar-se.

Narcisismo

Narciso, de Caravaggio
O narcisismo tem o seu nome derivado de Narciso, e ambos derivam da palavra grega narke, "entorpecido" de onde também vem a palavra narcótico. Para os gregos, Narciso simbolizava a vaidade e a insensibilidade, pois era emocionalmente entorpecido às solicitações daqueles que se apaixonaram pela sua beleza.
O mito de Narciso representa (senão para os gregos ao menos para nós) o drama da individualidade mostrando a profundidade de um indivíduo que toma consciência de si mesmo, em si mesmo e perante a si mesmo.
No romance de Stendhal O Vermelho e o Negro diz o príncipe Korasoff a Julien Sorel, o protagonista, sobre a sua amada Mathilde:

Ela olha para ela em vez de olhar para ti, e por isso não te conhece.
Durante as duas ou três pequenas explosões de paixão que ela se permitiu a teu favor, ela, por um grande esforço de imaginação, viu em ti o herói dos seus sonhos, e não tu mesmo como realmente és.
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