Harmen Stennwyck, As Vaidades da Vida Humana, c.1645
O significado directo e último das vanitas, explícitas que são na sua referencialidade óbvia, é sobretudo o de uma advertência séria, severa, um verdadeiro aviso, uma repreensão lapidar sobre a ignorante leviandade das vaidades mundanas, a inconsciência alheada dos excessos e finitudes várias do Homem - os seus vícios e horrores, as suas paixões desonestas, desvairadas de cegas, funestas, os seus apetites venais insaciáveis, as suas perigosas irracionalidades, as suas pulsões inconfessáveis; e, em geral, uma distância circunspecta por tudo o que se aprecia, sem freio e pudor, com desbragado hedonismo, neste mundo de carnalidades e materialismos primários, doentiamente consumista e fetichista, inundado pelos prazeres mais desatinados. Que têm um fim! - é esse o aviso.
A eficácia da advertência e aviso é conseguida pelo efeito de contraste violento estabelecido entre o crânio humano, a caveira, às vezes também as tíbias, mesmo o inteiro esqueleto, sinais escatológicos manifestos do ameaçador fim dos fins, colocados em evidência de primeiro plano, em recorte contrastante com os objectos que os rodeiam, de ostentação e aparato, de erudição e estudo, de pompa e fausto, dispostos em minuciosa e verista composição formal, de apurado sentido lumínico-cénico e forte carga dramática. (...)
Mórbidos, fúnebres, macabros, tétricos, são bodegones intemporais, porque anunciam a verdade mais radical de todos os tempos, de sempre - a Morte - o fim súbito e derradeiro do epicurismo instante de todos os tempos, que aproveita com sofreguidão a precaridade escassa dos momentos agradáveis e felizes da existência, as raras oportunidades de gozo, e deleite, dos chamados "pecados veniais" (os cabalísticos sete vícios). Para os "pecadores" a honesta volúpia dos prazeres (infelizmente) demasiado efémeros.
Luís Calheiros, Entradas para um Dicionário de Estética