segunda-feira, 22 de abril de 2013

Sem causa...


Sem causa a Infância ri, sem causa chora:
Incauta se despenha a mocidade;
Sacode o jugo, e nela a liberdade,
A caça, o jogo, o amor, tudo a namora.

Das honras o varão se condecora;
Tudo é nele ilusão, tudo vaidade:
Junta Tesouros a avarenta idade;
Diz mal do nosso, e ao tempo andando adora.

Tormento é toda a vida, é toda enganos:
Quando uns afectos vence a novos corre,
E tarde reconhece os próprios danos:

Porque enfim se a prudência nos socorre,
Ditada na lição de longos anos,
Quando se sabe, então é que se morre.


Paulino António Cabral, Abade de Jazente (1719-1789)

Frank Scherschel, 1946

sábado, 30 de março de 2013

Paixão

sexta-feira, 22 de março de 2013

Alegoria

V. Quem chama dentro em mi? - T. O tempo ousado.
V. Entraste sem licença? - T. Tenho-a há muito.
V. Que me queres? - T. Que me ouças. - V. Já te escuto.
T. Prometes de me crer? - V. Fala avisado.

T. Errada vás. - V. Também tu vás errado.
T. Essa é condição minha. - V. Esse é meu fruto.
T. Tu és mulher descuidada. - V. És velho astuto.
T. Erro sem dano meu. - V. Assás tens dado.

T. Ai, vida como passas? - V. Perseguida.
T. De quem? - V. De ti. - T. O Tempo o gosto nega.
V. O tempo é ar. - T. A Vida é passatempo.

V. Tu já nem Tempo és. - T. Nem tu és já Vida.
V. Vai para louco. - T. Vai-te para cega.
- Vedes como se vão a Vida e o Tempo?


D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666)

Edward Steichen, 1925

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Prelúdio de uma Primavera Triste

O sol é grande, caem co' a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d' alto cai acordar-m'-ia
do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu' em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d' amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m' eu fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto é sem cura!


Sá de Miranda

Prelúdio de uma Primavera Triste - Margaret Mather, de Edward Weston, 1920

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O vazio que sentes...

Stefan Okolowicz, The last happening, 1970

O vazio que sentes, cada vez mais,
é o dos traidores.
Também os monumentos, por dentro, estão vazios,
com as entranhas cheias de óxido e morte:
escuros e apodrecidos pela história,
é tão sinistro o seu interior
como arrogante o gesto que o personagem
traça no ar.
Conforme os amigos nos vão traindo
 - e a morte é também uma traição –
assim nos vamos convertendo em monumentos.
Por fora fica um resto de eloquência,
sobretudo ao falar com alguém jovem,
mas a voz ressoa no vazio,
perdida entre os ferros de uma trama oculta
que se desfolha em leves capas de óxido.


Joan Margarit (trad. de Albino Martins)
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