sexta-feira, 22 de março de 2013
Alegoria
V. Quem chama dentro em mi? - T. O tempo ousado.
V. Entraste sem licença? - T. Tenho-a há muito.
V. Que me queres? - T. Que me ouças. - V. Já te escuto.
T. Prometes de me crer? - V. Fala avisado.
T. Errada vás. - V. Também tu vás errado.
T. Essa é condição minha. - V. Esse é meu fruto.
T. Tu és mulher descuidada. - V. És velho astuto.
T. Erro sem dano meu. - V. Assás tens dado.
T. Ai, vida como passas? - V. Perseguida.
T. De quem? - V. De ti. - T. O Tempo o gosto nega.
V. O tempo é ar. - T. A Vida é passatempo.
V. Tu já nem Tempo és. - T. Nem tu és já Vida.
V. Vai para louco. - T. Vai-te para cega.
- Vedes como se vão a Vida e o Tempo?
D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666)
V. Entraste sem licença? - T. Tenho-a há muito.
V. Que me queres? - T. Que me ouças. - V. Já te escuto.
T. Prometes de me crer? - V. Fala avisado.
T. Errada vás. - V. Também tu vás errado.
T. Essa é condição minha. - V. Esse é meu fruto.
T. Tu és mulher descuidada. - V. És velho astuto.
T. Erro sem dano meu. - V. Assás tens dado.
T. Ai, vida como passas? - V. Perseguida.
T. De quem? - V. De ti. - T. O Tempo o gosto nega.
V. O tempo é ar. - T. A Vida é passatempo.
V. Tu já nem Tempo és. - T. Nem tu és já Vida.
V. Vai para louco. - T. Vai-te para cega.
- Vedes como se vão a Vida e o Tempo?
D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666)
![]() |
Edward Steichen, 1925 |
Gloriae Mundi
Alegorias da Vida,
D. Francisco Manuel de Melo,
Poesia
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
Prelúdio de uma Primavera Triste
O sol é grande, caem co' a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d' alto cai acordar-m'-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu' em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d' amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m' eu fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto é sem cura!
Sá de Miranda
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d' alto cai acordar-m'-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu' em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d' amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m' eu fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto é sem cura!
Sá de Miranda
![]() |
Prelúdio de uma Primavera Triste - Margaret Mather, de Edward Weston, 1920 |
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Edward Weston,
Poesia,
Sá de Miranda
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
O vazio que sentes...
![]() |
Stefan Okolowicz, The last happening, 1970 |
O vazio que sentes, cada vez mais,
é o dos traidores.
Também os monumentos, por dentro, estão vazios,
com as entranhas cheias de óxido e morte:
escuros e apodrecidos pela história,
é tão sinistro o seu interior
como arrogante o gesto que o personagem
traça no ar.
Conforme os amigos nos vão traindo
- e a morte é também uma traição –
assim nos vamos convertendo em monumentos.
Por fora fica um resto de eloquência,
sobretudo ao falar com alguém jovem,
mas a voz ressoa no vazio,
perdida entre os ferros de uma trama oculta
que se desfolha em leves capas de óxido.
Joan Margarit (trad. de Albino Martins)
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Poesia
quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
Fantasia
Se meu desejo só é sempre ver-vos,
que causará, senhora, qu' em vos vendo
assi me encolho logo, e arrependo,
que folgaria então poder esquecer-vos?
Se minha glória só é sempre ter-vos
no pensamento meu, porque em querendo
cuidar em vós, se vai entristecendo,
nem ousa meu espírito em si deter-vos?
Se por vós só a vida estimo, e quero,
como por vós a morte só desejo?
Quem achará em tais contrários meio?
Não sei entender o que em mim mesmo vejo.
Mas que tudo é amor entendo e creio,
o no qu' entendo e creio, nisso espero.
António Ferreira
que causará, senhora, qu' em vos vendo
assi me encolho logo, e arrependo,
que folgaria então poder esquecer-vos?
Se minha glória só é sempre ter-vos
no pensamento meu, porque em querendo
cuidar em vós, se vai entristecendo,
nem ousa meu espírito em si deter-vos?
Se por vós só a vida estimo, e quero,
como por vós a morte só desejo?
Quem achará em tais contrários meio?
Não sei entender o que em mim mesmo vejo.
Mas que tudo é amor entendo e creio,
o no qu' entendo e creio, nisso espero.
António Ferreira
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