terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Relógio! Deus sinistro, hediondo, impassível

Relógio! Deus sinistro, hediondo, impassível,
Que nos aponta o dedo e nos diz: "Lembra-te!
Em breve, as setas da Dor te cravejarão
O coração cheio de pavor, como num alvo.

O diáfano Prazer fugirá p’ra longe
Como uma sílfide p’ro fundo do bastidor;
Cada instante devora um pedaço da alegria
Destinada ao inteiro trajecto dum homem.

Três mil seiscentas vezes por hora, o Segundo
Murmura: Lembra-te! Rápido, sua voz
De insecto, Agora diz: Sou Antes, e chupei
A tua vida com a minha tromba abjecta!

Remember! Recorda, perdulário! Esto memor!
(Minha garganta de metal é poliglota.)
Os minutos, ó amável mortal, são gangas
Não descartáveis sem lhes extrair o ouro!

Lembra-te! Que o tempo é um jogador ávido
Que ganha, amiúde!, sem batota, é a lei.
O dia mingua; a noite aumenta; lembra-te!
A boca tem sempre sede; a clepsidra vaza…

Breve soará a hora em que o Divino Acaso,
A augusta Virtude, tua esposa ainda virgem,
Onde até o Remorso (oh,! derradeiro refúgio!)
Tudo te dirá: Morre, velho frouxo! é tarde!”

Charles Baudelaire,"As Flores do Mal"

(tradução de jesimões)


August Bromse, da série "A rapariga e a morte", 1902
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