sexta-feira, 18 de abril de 2014
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
Queixa das almas jovens censuradas
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.
Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.
Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.
Natália Correia, Poesia Completa, Publicações Dom Quixote, 1999
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Imogen Cunningham |
Gloriae Mundi
Imogen Cunningham,
Natália Correia,
Poesia
sábado, 23 de novembro de 2013
domingo, 20 de outubro de 2013
As pessoas instantâneas
Quando a morte cai sobre as pessoas
é porque tem as asas cansadas
de dar voltas ao mundo.
Escolhe, hesitante, um dos seus cantores.
Escolhe quem, matinalmente, se cumprimenta.
A morte um dia esquece e desce
sobre os mesmos reverentes.
Esqueceu tudo o que dissera.
Ou fingiu que esqueceu tudo.
Alguém parou misteriosamente de falar.
E o silêncio quer dizer: “Acabou tudo.”
Quer dizer: “venham comigo até aquelas grutas!”
Agora finjam que estão velhos.
E que ninguém está nada triste.
Olhem para as vossas pernas,
não há pernas!
Nem mãos,
excepto para tocar em coisas indescritíveis.
As crianças que morriam.
Vou viver para a neve com os meus filhos
mergulhar nos rios soturnos e profundos
em segundos.
Por entre as algas e os peixes que prendiam
os braços das crianças que agarravam
os polvos misteriosos que ensinavam
a nadar os que mereciam.
Se a mim viesse algum dos mortos que ensinasse
a morrer a quem vivesse
a nadar a quem andasse
a dormir a quem falasse
Sem parar.
Imitaria a vida que vivesse
esse monstro que ensinasse
Que morresse.
Que matasse.
Sem matar.
António Ladeira
Gloriae Mundi
Alegorias da Morte,
Alegorias da Vida,
António Ladeira,
Jocelyn Pook,
Poesia
sábado, 28 de setembro de 2013
Se corre devagar o tempo...
Se corre devagar o tempo, e o tempo
não corre, em que relógio contarei
os segundos que se demoram quando as
horas se precipitam, ou o amanhã
que nunca mais chega neste hoje
que já passou? Mas o tempo só o é
quando o perdemos; e ao ver que
é tarde, não se volta atrás, nem
as voltas que o tempo dá o voltam
a fazer andar. Por isso é que o tempo
nos dá tempo para o ter, se ainda
houver tempo; e se tivermos de o perder,
nenhum tempo contará o tempo que se
gastou para saber o que se perdeu, ou ganhou.
Nuno Júdice
não corre, em que relógio contarei
os segundos que se demoram quando as
horas se precipitam, ou o amanhã
que nunca mais chega neste hoje
que já passou? Mas o tempo só o é
quando o perdemos; e ao ver que
é tarde, não se volta atrás, nem
as voltas que o tempo dá o voltam
a fazer andar. Por isso é que o tempo
nos dá tempo para o ter, se ainda
houver tempo; e se tivermos de o perder,
nenhum tempo contará o tempo que se
gastou para saber o que se perdeu, ou ganhou.
Nuno Júdice
Gloriae Mundi
Buster Keaton,
Nuno Júdice,
Poesia
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