Fecho o livro contemplo
Eis o globo, o planisfério terrestre,
O planisfério celeste,
O redondo horizonte, a ilusão dos firmamentos.
E a nossa existência
Eis o compasso, o esquadro, a balança, a pirâmide,
o cone, o cilindro, o cubo, o peso, a forma,
a proporção, as equivalências.
E o nosso itinerário.
Saem das suas caixas os mistérios
Desenrola-se o mapa dos ossos com esses nomes;
O sangue desenha sua floresta-azul;
Cada órgão cumpre um trabalho enigmático:
Estamos repletos de esfinges certeiras.
E o nosso corpo.
E os dinossauros são como carros de triunfo, reduzidos à armação;
e no olho profundo do microscópio a célula se anuncia.
E o nosso destino
O professor escreve no quadro o Alfa e o Ómega.
A luz de Sírius ainda lança escadas em contínua cascata.
E lentamente subo e fecho os olhos
e sonho saber o que não se sabe
simplesmente acordado.
Grande aula, a do silêncio.
Traça a reta e a curva, a quebrada e a sinuosa.
Tudo é preciso. De tudo viverás.
Cuida com exatidão da perpendicular e das paralelas perfeitas.
Com apurado rigor.
Sem esquadro, sem nível, sem fio de prumo, traçarás perspectivas,
Projetarás estruturas.
Número, ritmo, distância, dimensão
Tens os teus olhos, o teu pulso, a tua memória.
Construirás os labirintos impermanentes que sucessivamente habitarás.
Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.
Não te fatigues logo. Tens trabalho para toda a vida.
E nem para o teu sepulcro terás a medida certa.
Somos sempre um pouco menos do que pensávamos.
Raramente, um pouco mais.
“Até quando terás, minha alma, esta doçura, este dom de sofrer, este poder de amar, a força de estar sempre – insegura – segura como a flecha que segue a trajetória obscura, fiel ao seu movimento, exata em seu lugar...?”
Cecília Meireles, "Poesia Completa" – vol. 4
Cristina Garcia Rodero |