quinta-feira, 25 de outubro de 2012

"Oh what's that in the hollow, so pale, I quake to follow?"

 Oh What's That in the Hollow, Edward Robert Hughes, 1893

Porque o melhor, enfim,
É não ouvir nem ver...
Passarem sobre mim
E nada me doer!

- Sorrindo interiormente,
Co'as pálpebras cerradas
Às águas da torrente
Já tão longe passadas.

- Rixas, tumultos, lutas,
Não me fazem dano...
Alheio às vãs labutas,
Às estações do ano.

Passar o estio, o Outono,
A poda, a cava e a redra,
E eu dormindo um sono
Debaixo duma pedra.

Melhor até se o acaso
O leito me reserva
No prado extenso e raso
Apenas sob a erva

Que Abril copioso ensope...
E, esvelto, a intervalos
Fustigue-me o galope
De bandos de cavalos.

Ou no serrano mato,
A brigas tão propício,
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício

Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas,
Com choques de armaduras
E tinidos de espadas...

Ou sob o piso, até,
Infame e vil da rua,
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua.

Se estorce, vocifera,
Selvagem nos conflitos,
Com ímpetos de fera
Nos olhos, saltos, gritos...

Roubos, assassinatos!
Horas jamais tranquilas,
Em brutos pugilatos
Fracturam-se as maxilas...

E eu sob a terra firme,
Compacta, recalcada,
Muito quietinho. A rir-me
De não me doer nada.


Camilo Pessanha
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