sábado, 27 de outubro de 2012

Cacida da Mulher Estendida

John Swannel, 1985

Despida ver-te é recordar a terra.
A terra lisa, limpa de cavalos.
A terra sem um junco, forma pura
ao futuro cerrada: argêntea fímbria.

Despida ver-te é compreender a ânsia
da chuva que procura débil talhe,
ou a febre do mar de imenso rosto
sem a luz encontrar de sua face.

O sangue soará pelas alcovas
e virá com espada fulgurante,
mas tu não saberás onde se oculta
o coração de sapo ou a violeta.

Teu ventre é uma luta de raízes,
teus lábios, uma aurora sem contorno,
por sob as rosas tépidas da cama
os mortos gemem esperando vez.

Federico García Lorca, in 'Divã do Tamarit'
Tradução de Oscar Mendes

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Houses


People who are afraid of themselves
Multiply themselves into families
And so divide themselves
And so become less afraid.

People who might have to go out
Into clanging strangers’ laughter,
Crowd under roofs, make compacts
To no more than smile at each other.

People who might meet their own faces
Or surprise their own voices in doorways
Build themselves rooms without mirrors
And live between walls without echoes.

People who might meet other faces
And unknown voices round corners
Build themselves rooms all mirrors
And live between walls all echoes.

People who are afraid to go naked
Clothe themselves in families, houses,
But are still afraid of death
Because death one day will undress them.


A. S. J. Tessimond

Clarence John Laughlin, The House of the Past, 1947

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

"Oh what's that in the hollow, so pale, I quake to follow?"

 Oh What's That in the Hollow, Edward Robert Hughes, 1893

Porque o melhor, enfim,
É não ouvir nem ver...
Passarem sobre mim
E nada me doer!

- Sorrindo interiormente,
Co'as pálpebras cerradas
Às águas da torrente
Já tão longe passadas.

- Rixas, tumultos, lutas,
Não me fazem dano...
Alheio às vãs labutas,
Às estações do ano.

Passar o estio, o Outono,
A poda, a cava e a redra,
E eu dormindo um sono
Debaixo duma pedra.

Melhor até se o acaso
O leito me reserva
No prado extenso e raso
Apenas sob a erva

Que Abril copioso ensope...
E, esvelto, a intervalos
Fustigue-me o galope
De bandos de cavalos.

Ou no serrano mato,
A brigas tão propício,
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício

Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas,
Com choques de armaduras
E tinidos de espadas...

Ou sob o piso, até,
Infame e vil da rua,
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua.

Se estorce, vocifera,
Selvagem nos conflitos,
Com ímpetos de fera
Nos olhos, saltos, gritos...

Roubos, assassinatos!
Horas jamais tranquilas,
Em brutos pugilatos
Fracturam-se as maxilas...

E eu sob a terra firme,
Compacta, recalcada,
Muito quietinho. A rir-me
De não me doer nada.


Camilo Pessanha

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Que amor sigo?...

Que amor sigo? Que busco? Que desejo?
Que enleo é este vão da fantasia?
Que tive, que perdi, quem me queria?
Quem me faz guerra, contra quem pelejo?

Foi por encantamento o meu desejo,
E por sombra passou minha alegria,
Mostrou-me Amor dormindo o que não via,
E eu ceguei do que vi, pois já não vejo.

Fez à sua medida o pensamento
Aquela estranha e nova fermosura,
E aquele parecer quasi divino.

Ou imaginação, sombra ou figura,
É certo e verdadeiro meu tormento,
Eu morro do que vi, do que imagino.

Francisco Rodrigues Lobo (c.1574?-1621)





domingo, 21 de outubro de 2012

Remember me when I am gone away

Remember me when I am gone away,
Gone far away into the silent land;
When you can no more hold me by the hand,
Nor I half turn to go yet turning stay.
Remember me when no more day by day
You tell me of our future that you plann'd:
Only remember me; you understand
It will be late to counsel then or pray.
Yet if you should forget me for a while
And afterwards remember, do not grieve:
For if the darkness and corruption leave
A vestige of the thoughts that once I had,
Better by far you should forget and smile
Than that you should remember and be sad.

Christina Georgina Rossetti

Harold Feinstein 1950s
gif de Nicolas Monterrat

sábado, 13 de outubro de 2012

Tomorrow, and tomorrow...

“Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow
Creeps in this petty pace from day to day,
To the last syllable of recorded time;
And all our yesterdays have lighted fools
The way to dusty death.
Out, out, brief candle!
Life’s but a walking shadow, a poor player
That struts and frets his hour upon the stage
And then is heard no more. It is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury
Signifying nothing.”

William Shakespeare, Macbeth


A. Scarpulla

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Sonata para Violino


de Jean-Marie Leclair (1697-1764)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

A morte virá e terá os teus olhos

A morte virá e terá os teus olhos –
esta morte que nos acompanha
da manhã à noite, insone,
surda, como um velho remorso
ou um vício absurdo. Os teus olhos
serão uma palavra vã,
um grito calado, um silêncio.
Assim os vês cada manhã
quando, sob ti só, pendes
no espelho. Oh, que esperança,
nesse dia saberemos, também nós,
que és a vida e és o nada.

A morte tem um olhar para todos.
A morte virá e terá os teus olhos.
Será como deixar um vício,
como ver no espelho
ressurgir uma face morta,
como ouvir os lábios fechados.
Desceremos mudos ao abismo.


Cesare Pavese (trad. de José Carlos Brandão)

Vladimir Clavijo

domingo, 7 de outubro de 2012

O que é a morte?

Charles Nevols


O que é o caminho?
anúncio de partida
escrito em folhas
que o pó desenhou.

O que é o pó?
futuro do corpo.

O que é um espelho?
uma segunda face
um terceiro olho.

O que é uma rosa?
cabeça a decapitar.

O que é a morte?
carro que leva
do útero da mulher
ao útero da terra.

O que é o anoitecer?
discurso de despedida.

O que é a lágrima?
guerra perdida pelo corpo.

O que é o desespero?
descrição da vida na língua da morte.

O que é a coincidência?
fruto na árvore do vento
caindo entre as mãos
sem se saber.

O que é o não sentido?
doença que mais se propaga.

O que é a memória?
casa habitada só
por coisas ausentes.

O que é a poesia?
navios que navegam, sem portos.

O que é a história?
um cego a tocar tambor.

O que é a sorte?
dado
na mão do tempo.

O que é a linha reta?
soma de linhas tortas
invisíveis.

O que é o tempo?
veste que usamos
sem poder tirar.

O que é a melancolia?
anoitecer no espaço do corpo.

O que é o sentido?
início do não sentido
e seu fim.

O que é a velhice?
planta que cresce em duas direções:
a aurora da infância
a noite da morte.

O que é viver?
caminhar sem pausa
rumo ao anoitecer.


trechos do poema "Guia para viajar pelas florestas do sentido", de Adonis

  Durme, Hermosa Donzella (Berceuse Sefardi, Rhodes) by Montserrat Figueras, Jordi Savall, Arianna Savall, Ferran Savall, Pedro Estevan on Grooveshark

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Do not go gentle into that good night

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.


Dylan Thomas

Edvard Munch, Love and Pain, 1893-94

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