segunda-feira, 30 de maio de 2011

"Ofélia" de Arthur Rimbaud

Gaston Bussiere

Na onda calma e negra, entre os astros e os céus,
A branca Ofélia, como um grande lírio, passa;
Flutua lentamente e dorme em longos véus...
- Longe, no bosque, o caçador chamando  a caça...


Arthur Hughes

Mais de mil anos faz que a triste Ofélia abraça,
Fantasma branco, o rio negro em que perdura.
Mais de mil anos; toda noite ela repassa
À brisa a romanca que em delírio murmura.


Jules Joseph Lefebvre

Beija-lhe o seio o vento e liberta em corola
Os grandes véus nas águas acalentadoras;
Sobre os seus ombros o caniço à fronte sonhadora.


Arthur Hughes

Nenúfares feridos suspiram por perto;
Às vezes ela acorda; em vidoeiro ocioso
Um ninho de onde vem tremor de um vôo incerto...
- De astros dourados desce um canto misterioso...


Henry Nelson O'Neill

II

Morreste sim, menina que um rio carrega,
Ó pálida Ofélia, tão bela como a neve !
- É que algum vento montanhês da Noruega
Contou que a liberdade é rude, mas é leve;


Paul Steck

-É que um sopro, liberta a cabeleira presa,
Em teu espírito estranhos sons fez nascer
E em teu coração logo ouviste a Natureza
No queixume da árvore e do anoitecer.


William Waterhouse

- É que a voz do mar furioso, tumulto impávido,
Rasgou teu seio de menina, humano e doce;
- E em manhã de abril, certo cavalheirro pálido,
Um belo e pobre louco, aos teus pés ajoelhou-se.


Redgrave

E aí o céu, o amor : - que sonho, que pobre louca !
Ante ele eras a neve, desmaiado à luz;
Visões estrangulavam-se a fala na boca,
O Infinito aterrava os teus olhos azuis !


Alexandre Cabanel

III

- E o poeta diz que sob os raios das estrelas
Procuras toda noite as flores em delírio
E diz que viu na água, entre véus, a colhê-las
Vogar a branca Ofélia como um grande lírio.


John Everett-Millais

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A Inércia do Quotidiano

Rara será a existência que actualmente se não deixe balouçar ao sabor das correntes, cada hora impelida a um rumo diferente pela última notícia que se leu ou pela última conversa que se teve. Sem fim a que aponte, a alma da maioria dos homens flutua na vida com a fraca vontade e a gelatinosa consistência das medusas; um dia se sucede a outro dia sem que o viver represente uma conquista, sem que a manhã que renasce seja uma criação do nosso próprio espírito e não o fenómeno exterior que passivamente se aceita e que por hábito nos impele a um determinado número de acções; desfez-se a crença em que o mundo é formado pelo homem, em que o reino de Deus terá de ser obtido, não como uma dádiva dependente do arbítrio de um ente superior, mas como a paciente, firme, contínua construção dos seus futuros habitantes. 

Daí a facilidade das entregas aos que ainda aparecem com dedos de escultor, daí os desânimos e as indiferenças, daí o supor-se que apenas surgimos no mundo para nos garantirmos, diariamente, um almoço, um jantar e uma casa; perdem-se as almas nas tarefas inferiores do existir, nenhuma grande aspiração de beleza, de liberdade e de amor guia através das noites obscuras e dos cerrados nevoeiros aqueles mesmo que nasceram mais fortemente desprendidos das animalidades primitivas.

Há como que o prazer da desordem, da irresolução, do pensamento confuso; quase se tornou censurável marchar com a regularidade dos astros, divinizou-se o acto imprevisível e o gesto que vem contrariar o do momento anterior; ninguém pára um instante para reflectir, coordenar as ideias, eliminar as que se mostram incapazes de em acordo se ligarem ao que de seguro ficou estabelecido. 

A fala medida e o silêncio que fazem possível o diálogo e pelo diálogo a viagem aos bordos mais longínquos do universo cederam o lugar a um discurso plural que deve ser aos ouvidos de Deus como zumbido importuno de insecto que teima em passar através da vidraça; quebra-se a barreira ateniense da harmonia e a barreira espartana da vontade e dá-se livre curso aos ímpetos, aos repentes, aos caprichos; troca-se o manso fluir dos grandes rios, a ondulação poderosa e calma do mar largo pelos cachões e as espumas das correntes que se entrechocam e batem. 



Que loucura vos tomou, meus irmãos homens? Urge que apeeis o Acaso do lugar divino que lhe destes, que lanceis, como diques e caminho da vida, as fortes linhas da inteligência ordenadora e da vontade, que acima de tudo se habitue a vossa alma a construir a existência com a pureza, o nítido recorte e a querida abstenção da estrofe de um poema.

Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'


Fonte: Citador

Pinturas de Jean Beraud (1849 - 1935)

domingo, 22 de maio de 2011

0 - O Louco


Sacred Art Tarot, de Andre St. Dryden



Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira para tudo?
Tu só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para
olhos individuais.
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar.

Almada Negreiros

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Lamentação

terça-feira, 17 de maio de 2011

Sísifo

Sísifo, Franz von Stuck, 1920

Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances,
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga in Poesia Completa II

sábado, 14 de maio de 2011

Espelhos IV

fotografia de Alfred Eisenstaedt

Auto-retrato com Leica, de Ilse Bing, 1938

Man Ray e Roland Penrose, numa fotografia de Lee Miller, 1946

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A Fonte da Vida

A fonte representa o acesso ao inconsciente. É um símbolo feminino, materno, de origem da vida.  Existe ainda uma ligação entre a fonte, a juventude e a imortalidade sendo comparada ao elixir da vida dos alquimistas. O Paraíso terrestre costuma ser representado por um jardim quadrado, murado, com uma fonte no centro. É uma imagem da alma, da gnose, do centro, da individuação.






Imagens: Armand Point, Fonte da Juventude
Anónimo, Fonte da Juventude, iluminura do séc.XV
Eduard Veith, Fonte da Juventude

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Poesia Silenciosa II


Constant Montald, A Fonte da Inspiração

terça-feira, 3 de maio de 2011

A Vida

Cupid's Hunting Fields, Edward Burne-Jones, 1885

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo ou o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo "Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!...


Florbela Espanca

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Nota

domingo, 1 de maio de 2011

Daffodils

(1804)

I wander'd lonely as a cloud That floats on high o'er vales and hills,

When all at once I saw a crowd, A host, of golden daffodils;

Beside the lake, beneath the trees,
Fluttering and dancing in the breeze.

Continuous as the stars that shine And twinkle on the Milky Way,

They stretch'd in never-ending line Along the margin of a bay:

Ten thousand saw I at a glance,
Tossing their heads in sprightly dance.

The waves beside them danced; but they Out-did the sparkling waves in glee:

A poet could not but be gay, In such a jocund company:

I gazed -- and gazed -- but little thought
What wealth the show to me had brought:

For oft, when on my couch I lie In vacant or in pensive mood,

They flash upon that inward eye Which is the bliss of solitude;

And then my heart with pleasure fills,
And dances with the daffodils.


William Wordsworth (1770-1850)


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...